Beasts of No Nation

SINOPSE
Separado da família durante a guerra civil, um garoto africano é forçado a lutar ao lado de mercenários e tornar-se menino-soldado.



Enfim aconteceu o que muitos amantes da Netflix esperavam: o lançamento de seu primeiro longa-metragem original. E isso é muito mais positivo do que se imagina. José Padilha, produtor da série Narcos, disse em entrevista que a Netflix dá total liberdade criativa para as suas produções ao mesmo tempo em que existe uma enorme cobrança na qualidade técnica. Visto que o modelo de negócios da empresa é a assinatura mensal, ela está mais preocupada em manter um acervo diversificado do que medir a quantidade de dólares que o filme poderia faturar de bilheteria.

É bom para o produtor, que além do ótimo orçamento, não terá um grande estúdio no seu pé dizendo o que ele precisa fazer, que público deve atingir e a pressão de quantos milhões ele prevê de retorno; e também é bom para o espectador, que terá filmes cada vez menos óbvios, tecnicamente fantásticos e entregues em sua casa on-demand.

Mas nem tudo são flores no caminho da Ruiva. Para que um filme possa concorrer ao Oscar ele precisa ser lançado ao público nos cinemas, mas grandes redes como AMC, Regal, Carmike e Cinemark fizeram um boicote público a Beasts of No Nation, alegando que o modelo da Netflix é desleal, já que as salas de cinema perdem a exclusividade da estréia, que também vai ao ar via streaming no mesmo dia. É uma discussão complicada. Ainda assim o longa chegou às telonas em algumas redes independentes dos Estados Unidos.


Indo finalmente ao ponto, Beasts of No Nation é uma obra norte-americana inspirada em um livro homônimo do autor nigeriano Uzodinma Iweala. É escrito e dirigido por Cary Fukunaga (True Detective), que também é o responsável pela fotografia, e estrelado por Idris Elba (Thor), Jude Akuwudike e Abraham Attah.

No início do filme somos transportados a um vilarejo africano que tenta sobreviver em meio a uma guerra. Entendemos um pouco da sua cultura, sua religião e como funcionam as formações familiares. Após um tratado de paz e proteção ser desfeito, imprevistos fazem com que um garoto chamado Agu se afaste de sua família e o medo da morte faz com que a criança se junte a um grupo mercenários rebeldes, onde é treinada para ser um mini soldado.

Aqui é interessante citar que, apesar de a obra não ser necessariamente baseada em fatos reais, já que a história do protagonista foi completamente criada; traços de realidade estão presentes, por isso o vilarejo não possui um nome nem uma localização específica. É uma triste memória das guerras civis africanas, que aconteceram durante muito tempo em todo o continente, e uma retratação cruel do descaso com a vida em campos de batalha e, principalmente, da morte da infância, já que crianças eram treinadas para as batalhas. O pior é pensar que coisas assim acontecem até hoje, em todos os continentes.


Fukunaga trabalha de um modo que faz com que o espectador se conecte rapidamente ao protagonista e, em dado momento, quase pense que aquela jornada é interessante. Mas, antes do meio do filme, vem o choque de realidade, não somos poupados de cenas pesadas que comprovam o quanto uma guerra destrói o físico e o psicológico de uma pessoa, extrapoladas pela visão de uma criança.

A fotografia auxilia nesse processo, sendo muito bem pensada (aliada aos efeitos sonoros) para tornar a experiência imersiva. Às vezes se preocupa em mostrar o ponto de vista de Agu, outras vezes se subverte para mostrar as dimensões dos campos de batalha e a influência de tudo aquilo sob o garoto.

O longa só desanda nas cenas próximas ao final, onde não se sabe ao certo o que esperar e o clima já está muito pesado. É justamente nesse momento que o enredo atinge seu ponto mais lento, trazendo uma impressão de que o filme é mais cansativo do que ele realmente deveria ser.


O elenco foi bem escolhido, mas é quase uma obrigação destacar o trabalho de Abraham Attah, o ator mirim ganense, que interpretou magistralmente o garoto Agu. É um papel muito complexo que apresenta uma gigantesca evolução do personagem, mas Attah dedicou-se de corpo e alma ao processo.

Beasts of No Nation é mais uma prova da força de vontade da Netflix em criar conteúdos diferenciados. A esperança de conseguir chegar as indicações do Oscar 2016 vem justamente do questionamento social levantado pela história. É uma obra que incomoda, daquelas que mostram uma realidade que ninguém quer aceitar, mas que ainda assim precisa ser discutida.

"Se essa guerra um dia acabar, não posso voltar a fazer coisas de criança."
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