![Jessica Jones netflix ccn cast](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFV79-FUguBLdIqtPUOb8oePOFIkTE-w4WClYMAU9vKeZ-ZFJRrOab0QQ9Qqy-E6dAx5WvFxxCS6aDxRK3w_J81yY8rk0DiujzOIUiZw1cDjTNyT3NXp8oJ_E3B7wFj7oOfXDNWub7GHQ/s1600/Jessica-Jones-capa.png)
Desde que sua curta jornada como super-heroína terminou em tragédia, Jessica Jones tem reconstruído sua vida pessoal e carreira como uma detetive particular em Hell's Kitchen. Atormentada por autodepreciação e um forte caso de estresse pós-traumático, Jessica luta contra demônios que vem de dentro de si e os de fora, usando suas habilidades para aqueles que precisam... Principalmente se eles estão dispostos a pagar a conta.
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Independente da qualidade individual das peças, é inegável que a Marvel possui um universo muito bem estruturado, desde suas tramas intergalácticas, como a de Guardiões da Galáxia, até os acontecimentos mais locais, como em Demolidor (que já rendeu até um podcast por aqui) Os acontecimentos dos filmes influenciam a televisão e vice-versa, mostrando o nível de planejamento do estúdio. Jessica Jones, vizinha do Demolidor na Cozinha do Inferno, é a nova aposta desse grande universo e parece que chegou arrasando corações.
A série é criada por Melissa Rosenberg e distribuída exclusivamente pela Netflix. Em seu elenco, conta com Krysten Ritter, David Tennant, Rachael Taylor e Mike Colter, entre outros. A trilha sonora fica a cargo de Sean Callery, enquanto a fotografia é dirigida por Manuel Billeter. A equipe criativa contou com a consultoria do quadrinista Brian Michael Bendis, criador da personagem.
Indo direto ao ponto, começamos com a relação entre Jessica e Luke Cage, apresentada logo no início da série, que é muito instável e extremamente complexa. Por vezes, isso ajuda a traçar o interessante perfil do casal, baseado em um misto de interesse, sensação de pertencimento e culpa. Por outras, a sincera falta de habilidade de interpretação do casal transforma cada cena que envolva os dois em uma enorme perda de tempo, já que é impossível criar qualquer tipo de afeição por aquele relacionamento. Não há função narrativa e, muito menos, carisma suficientes para levar o espectador a depositar qualquer tipo de investimento emocional nesta novelinha mexicana que é criada sem qualquer noção de timing. Foi apenas ao pesquisar o currículo da criadora da série que entendi o motivo para a cena tirada de Crepúsculo que vemos no final do segundo episódio.
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Aliás, já que o assunto envolve atuação, Jessica Jones me lembrou de Master of None, que estreou há duas semanas e me fez pensar se a Netflix está fazendo algum tipo de laboratório de atuação. O alcance dramático de Krysten Ritter (com quem eu tenho problemas desde Breaking Bad) não consegue passar metade do que é exigido por Jessica Jones. Enquanto o texto mostra uma personagem que tem medo de um homem e do que ela mesma é capaz, que afasta os outros mesmo sabendo que precisa de ajuda e que se empenha cada dia mais para vencer os próprios demônios, a atriz mostra... nada. Para a sorte de Ritter, o Luke Cage de Mike Colter consegue ser ainda mais inexpressivo. Este segundo, mesmo em um momento extremamente emocional para sua personagem, atua como se estivesse pensando em uma lasanha quentinha. Isso me deixa ainda mais preocupado com a série dele. Deve ser difícil se conectar com um herói cujo maior poder é ser um ótimo jogador de poker.
As construções do vilão e da heroína seguem caminhos opostos. Kilgrave é apresentado de forma poderosa, como um inimigo implacável e ameaçador, que chegou a "voltar dos mortos" para atormentar a vida de Jessica. Tennant dá um ar de insanidade que lembra muito o do Coringa, misturando ameaça pura com um tipo de humor ácido e absurdo. Mas a cada passo que damos em direção a ele, conhecendo seu passado e suas motivações, menor ele fica quando comparado à protagonista, que aparece primeiro ligada aos vidros de sua porta, estilhaçados no chão por causa de suas ações, e vai crescendo à medida que se conecta a outras pessoas e se redescobre. O passado que os dois mantiveram juntos é apresentado aos poucos, de forma natural e relevante, evitando os atalhos dos tão odiados diálogos expositivos.
A relação em Jessica e Kilgrave extrapola todos os clichês estabelecidos nas histórias cinematográficas da Marvel até então. A ideia de que a linha que divide o bem e o mal pode ser manipulada de acordo com vários fatores traz um novo respiro para o cenário de filmes/séries da Marvel. Mocinhos e vilões não são mais apenas uma coisa ou outra, como preto no branco. Pena que estes mesmos conceitos acabem esmaecendo a partir de certo momento. Além disso, o foco tão exclusivo em Kilgrave acaba desgastando a fórmula do Bandido Superior que é confrontado pelo herói e consegue fugir. Mesmo que o palco seja dividido com Nuke (inclusive, ver sua criação sutil no pano de fundo é uma grata surpresa), chega-se a um nível em que o "Último Confronto entre a Heroína e o Vilão" não gera mais nenhuma expectativa no espectador.
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A defesa dos ideais de poder feminino e da representatividade é muito aplicada na série. Tirando Kilgrave (o vilão, não por acaso), toda a trama gira em torno de mulheres, seja pelo que fizeram ou pelo que podem fazer. A metáfora do homem que não está acostumado a precisar pedir para ter as coisas do alto de sua torre de privilégios, na figura de Kilgrave, não poderia ser mais pontual e e contemporânea. A advogada Jeryn Hogarth é o maior exemplo: o papel, interpretado por Carrie-Anne Moss, tem todas as características de uma personagem masculina, que em uma realidade alternativa seria de um ator alto, branco e corpulento. É uma pena que todo seu arco dramático seja terrível, dando a impressão de que (assim como ocorreu muito em Sense8) aqueles momentos tinham mais importância social do que narrativa.
Jessica Jones tem muitas qualidades conceituais e muitos defeitos práticos. Leva a Marvel para um nível de maturidade ainda não visto em suas outras produções (séries e filmes), mas não altera em nada o recorde de qualidade. Este é um belo caso de uma produção que é mais valiosa pelo que significa do que pelo que realmente é.